A proliferação do racismo quotidiano tem recebido pouca atenção em Portugal, sobretudo nas instituições de ensino e ciência. O mito do “luso-tropicalismo” e a ideia de um país de “brandos costumes”, infelizmente, contribui para (des)racializar as relações sociais. A sociedade portuguesa está, claramente, marcada pelas divisões raciais e étnicas, particularmente, em zonas mais densamente populosas. A negação do racismo sistêmico, institucional e estrutural parece ser uma regra não verbalizada em Portugal. Na academia, assim como na política ignoram-se, frequentemente, as experiências de pessoas negras, justificando as violências baseadas na “raça” como acontecimentos que se sucedem devido a diferenças ditas culturais. Esta abordagem resulta de uma leitura do racismo como resultado do confronto entre o “exotismo” do “imigrante” e a “modernidade” da sociedade que o acolhe. O racismo está presente em todas as esferas da vida quotidiana devido ao passado colonial de Portugal e das representações sociais e históricas que continuam na sociedade.
O racismo está estrategicamente camuflado pela ideia de uma pseudodemocracia racial, nos discursos políticos, académicos, históricos que organizam corpos e criam estruturas de poder. Porém, o racismo se manifesta de forma mais explicita no dia-a-dia, nos corredores e salas das universidades, nas redes sociais, muitas vezes sob a alegação de liberdade de expressão. A violência racista e o assédio racial presente nas instituições contribuem para desestabilizar a aprendizagem dos estudantes negros.
Apesar de estarmos cientes que o sistema de educação em Portugal é uma bolha política de manutenção, organização, modificação e propagação de um discurso legitimador das desigualdades sociais e das estruturas de poder, torna-se constrangedor e perturbador quando a discriminação racial e o ódio encontram palco durante uma aula.
O Núcleo de Estudos e Estudantes Africanos (NEEA), da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, através desta carta, ergue a sua voz contra todo e qualquer tipo de discriminação, preconceito e ódio social. Enquanto membros da comunidade académica da FLUL vimos aqui:
Denunciar o caso de discriminação racial dirigido a um membro do núcleo durante uma aula
Mostrar o nosso descontentamento em relação à posição da faculdade quanto à denúncia realizada pelo estudante
No dia 25/10/2022, durante a aula de Multilinguismo e Política Linguística, um estudante do curso de Estudos Africanos da FLUL e membro do NEEA, sofreu insultos/ comentários de cariz racial. No contexto de sala de aula, o estudante foi insultado por três colegas, referindo-se a ele como “macaco”. Os comentários foram testemunhados por outros alunos que partilharam o sucedido com a vítima. Prontamente, foram tomadas diligências de forma a denunciar o caso. Foi reportado à coordenação do curso que, imediatamente, condenou o sucedido, fez chegar as informações ao professor da unidade curricular em questão e mostrou-se disponível para apoiar nessa demanda.
A 10 de novembro, o nosso colega apresentou uma queixa diante da direção da faculdade. No dia 14/11/2022, foi instaurado um processo de inquérito. O relatório final foi analisado e concluíram que “analisado o teor da queixa, verifica-se que, apesar dos testemunhos, que corroboram o facto alegado, não foi possível determinar a identidade dos autores dos comentários”. Consequentemente, determinaram o arquivamento do inquérito.
Sabe-se que as universidades são espaços elitizados e com pouca diversidade, em que os grupos marginalizados que conseguem ter acesso a estas instituições não têm medidas ou políticas eficazes de permanência. Os atos de racismo, assédio racial e de género têm sido recorrentes nas universidades portuguesas e a sensação que existe é de impunidade.
De acordo com o código de conduta, a Universidade de Lisboa rege-se pelo princípio da igualdade de oportunidades e respeito pelos direitos humanos. A UL considera violações de conduta discriminações baseadas na ascendência ou descendência familiar, género, etnia, língua e território de origem. Porém, não considera a discriminação racial como violação de conduta e a igualdade racial como um direito humano fundamental para o desenvolvimento da sociedade. Diante disto, torna-se evidente que a Universidade não assegura o respeito pela liberdade d ume pessoas negras que fazem parte da comunidade académica. Neste sentido, vimos exigir:
O respeito pelos direitos e liberdades de estudantes negro/as, afrodescendentes e africano/as que fazem parte da comunidade académica da UL.
A abertura de canais para debate, sensibilização e consciencialização da comunidade académica sobre racismo e todos os tipos de discriminação.
Um posicionamento firme e público desta universidade contra casos de racismo que ocorram no contexto académico.
As reivindicações aqui apresentadas representam, de alguma forma, os anseios por uma Universidade mais inclusiva, mais aberta e mais diversa. Acreditamos ser da responsabilidade das instituições de ensino e ciência capacitar seres humanos mais tolerantes, empáticos, com elevados padrões éticos e profissionais, dotados de um pensamento e um discurso crítico e empenhados no progresso social de todos.
Chamamos a atenção para o Plano para a Igualdade de Género, Oportunidades Iguais e Diversidade da FLUL (2021), condizentes com agendas internacionais, estando em “concordância com a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas, nomeadamente o Objetivo 5 – Igualdade de Género, com a Estratégia Nacional para a Igualdade e a Não Discriminação 2018-2030”. A agenda 2030 tem como 10º objetivo reduzir as desigualdades. Nesta meta/objetivo a UN recomenda que os países “capacitem e promovam a inclusão social, económica e política de todos, independentemente de idade, sexo, deficiência, raça, etnia, origem, religião ou condição econômica ou outra.” Se a própria Agenda 2030 reconhece a categoria social de raça, enquanto condição de desigualdades e discriminações de grupos socialmente marginalizados, por que razão a Universidade de Lisboa – instituição comprometida com progresso social – nega a sua existência e o seu impacto?
Finalmente, frisa-se que o incidente aqui denunciado não se trata de um caso isolado, uma vez que, em muitas outras instituições de educação e ciência do país tem havido outros casos de violência racial. O NEEA compromete-se a ser uma plataforma de debate antirracista no contexto académico. “É, portanto, fulcral assinalar que o antirracismo é um campo político atravessado por divergências fundamentais, tanto na produção de conhecimento sobre o próprio racismo como nas propostas de transformação política” (Araújo e Maeso, 2019).
Deste modo, convidamos a comunidade académica e a sociedade civil a estarem presentes na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, no dia 6 de Dezembro, às 12h30, para nos mobilizarmos contra o racismo no contexto académico.
Queremos expressar o nosso apoio ao nosso colega, bem como apelar à responsabilização académica, institucional e, sobretudo, humana e a necessidade de criar políticas afirmativas que transformem a realidade do racismo institucional em Portugal.
A VIDA DOS ESTUDANTES NEGROS IMPORTAM!
Assinaturas ao manifesto
Tomásio Varela Mendes da Costa – FLUL
Beatriz Quaresma Verdinho-FLUL
Vanda M. A. Monteiro Marques da Silva – Operadora de Tráfego Marítimo
Ana Paula Ferreira da Silva-FLUL
Madalena Moreira de Sá – Tradutora, Facilitadora de Práticas Conectivas
Etiandro Gomes Injai-FLUL
Nelma Andrade – FLUL
Pedro Ferreira – FLUL
Joel José Ginga – UAberta
Ana Bela Profeta Alves – Psicóloga
Célia Pires – Produtora Audiovisuais
Anizabela Amaral – jurista e ativista anti-racista
Pedro Schacht Pereira – Professor, The Ohio State University
Inês Beleza Barreiros – historiadora da arte
Jorge Fonseca de Almeida – Economista, MBA
Myriam Taylor de Carvalho – Empreendedora de Impacto Social/Estratega Social
Marisa Santos- FLUL
Anabela Simões Ferreira – escritora
Juliana Branco Dias – FLUL
Lúcia Furtado – Contabilista Certificada
Beatriz Tavares- FLUL
Fodé Sanhá- FLUL
Leah Serra Kelly – FLUL
Maria Beatriz Lourenço – FLUL
Pedro Sousa – FLUL
Joice Contente – ISCSP
Luís G. Rodrigues – FLUL
Afonso da Cunha Viola – FLUL
Ana Beatriz Oliveira- FLUL
Shelsia Q. D. A. Gourgel- ISCSP
Eunice Gomes – FCSH
Giovanna Borrelli – FLUL (Erasmus)
Leonor Cruz – FLUL
Márcia Lobo
Beatriz G. Pires – FLUL
Laudiana Correia – FLUL
Dara Gomes – FLUL
Áurea Sofia Silva- FCSH
Lismara G. Gomes – FCSH
Eugénio Nogueira
Neise Trigueiros – FCSH
Amadu Sabali – FCSH
Liliana Correia
Beatriz de Oliveira – FLUL
Kira Graça – FLUL
Sara Marques Nobre – FLUL
Kathia Pereira- FLUL
Tiago Pires Correia- FLUL
Ivânia Vera Cruz-FLUL
Beatriz F. Mestre – FLUL
Raquel Pires Saraiva – FLUL
Beatriz Carola – FLUL
Matilde Mala – FLUL
Fatumata Djabula – FCSH
Mário Jorge Matos – FLUL
Raquel Serdoura- Ativista
Inês Rondão – FLUL
Beatriz Alves – Leiden University
Melanie Delgado- FLUL
Sofia Patrão – IADE
Janaína Silva – FLUL
Aline Carvalho – FCT UNL
Beatriz Rodrigues – FLUL
Miriam Franco- FLUL
David Rendeiro – FLUL
Júlia Oliveira – FLUL
Inês Mateus – FLUL
Bruna Monteiro – FLUL
Renata Almeida Cabral – FLUL
Daniela Figueiredo – FLUL
Telma João Santos – Investigadora – CHAIA-UÉ
Elijah Alex de Gouveia Vilaça Barros – FLUL
Natacha Soraia Silva Ornatovskyy – FLUL
João Carlos Carvalho – FLUL
Bárbara Machado – FLUL
Shereen Lalgy – BAU Cyprus
Edson Lázaro – Empresário e Ex-Vice Presidente do NEEA-FLUL
Frederico José Monção de Brito – NOVA FCSH / Estagiário me
Francisco Maria Fragoso Cerol – FLUL
Guilherme Resende – ISCSP
Sofia Nunes – FLUL
Beatriz Grilo – FLUL
Francisco Freitas – ISEP
Alexandre Burity Baluga – Alumini FLUL
Tiago Gomes – FCUL
Beatriz Barbosa
Madalena Paulo – FLUL
Marta Barrigot – FLUL
Jussara Nagana Cabral
Marliato Jalo
Calido Buli sane- Contabilista
Aminata Nanqur
Cadija Mendonça
Amadu Djogo Djalo
Djuco Baba Sanhá- Hospital D. Estefânia
Rafael Sanhá- Futebolista
Jerssi Paulo
Abubacar M. Sanhá-
Larissa Kansler
Susana Gomes – FLUL
Patrícia Martins – Licenciada FLUL
Nicole Fernandes – FLUL
Abubacar Sanhá- Turismólogo
Iacuba Baba Sanhá
Bruno Fernandes- FLUL
Moro Sanhá
Ansel Silva – FCUL
Ariclene Chimbili – FCT-UNL
Gilson Manuel – FCT-UNL
João Melo- FLUL
Gabriela Pinto – FLUL
Aaliyah Gomes-Nova FCT
Maria Costa- FLUL
Clara Raposo-FLUL
Mariana Gomes- FLUL
Maria Ferreira- FLUL
Margarida Fernandes-FLUL
DeMaria Fernanda Santos Souza – ULHT
Etelvina Maria Ferreira
Pedro Lopes- FCSH
Anabela Henriques Esteves – FLUL
Ana Margarida – FCSH
Laura Batista – FCSH
Bruna Alexandra Frederico Jorge – FLUL
Aguineth Vicente Paquete Andrade
Maria Raposo
Carla Raquel Miranda – FCSH
Diogo Falcato- FCSH
Gabriel Costa – FCSH
Ilísio Oliveira – FCUL
Ana Castro – FLUL
Mª Beatriz Modesto – FLUL
Mariana Verdial- FLUL
Vânia Andrade
Daniela Cotovio – FLUL
Mariana Branco – FCSH
Sofia Sequeira – FCSH
Lucas Veras – FCSH
Bruno Pires – FLUL
Duarte dos Santos Pais Bernardo Lopes – DLGR, FLUL
Rafael Monteiro – FDUL
Matilde Ho – UL
Fernando Lopes – FCSH
Liliana Nunes – Ualg
Maria Mafalda djafuno jalo – Educadora
Eva Torga – FLUL
João Sousa – FCUL
Zinky
Herman Ramos
Lara Grou, FCSH
Diana Machado – NMS
Alexandre Martins – ESTS
Diana Carrasco-Ualg
Joana Forte- associação Integrar Diligente
Ana Pereira – FCSH
Paulo Pereira Oliveira Matos – FLUL
Aliyah Bhikha – FDUNL
Catarina Rodrigues – Alumni ISCTE
Sofia Azevedo dos Santos- FDUL
Inês Beatriz Nunes – FCSH
Filipe Reis – FLUL
Duarte Ferreira – Lic. Ciência política e relações internacionais
Jasmim Bettencourt / FLUL
Raúl Matamba – FCT/NOVA
João cão Duarte – FCUL
Mariana Simas – FLUL
Rita Cavaco – Nova School of Law
Pedro Bazima – UMinho
Leandro Castanheira- UA
Winnie Lourenço- FLUL
Raquel Adónis – ISCSP
Carolina Batalha-FLUL
Marta Lopes – FLUL
Filipe Marçal – FLUL
Ana Ribeiro – FCSH
Márcia Costa – FLUL
Inês Santos – FLUL
Miguel Vilar-FLUL
Mariana Raminhos- FLUL
Dáldia Lopes – UBI
Henrique Costa- FLUL
Sara Amarante- FLUL
Victor Tomás – FDUL
Ramiro Afonso Morais – FDUL
Bruna Lebre Scultori – FDUL
Carla Delgado – Nova School of Law
Mancanaul Gomes – Estudante
Joel Semedo- FDUL
Kinga Kovács-FLUL
Igor Rodrigues da Silva – ENSP-UNL
Di
Nina Harvie-Clark -University of Cambridge
Alexandre Ferreira- FLUL
Ana Cordeiro – ISCTE
Helena Vicente
Joana Vieira – FCSH
Ana Marta dos Santos-FDUL
Ana Margarida Batista- Alumni FLUL, IEUL
Maria Beatriz Carreira Pedrosa – FLUL
Taísa Braga – ISCTE
António Tonga – Activista Antirracista
Saturnino de Oliveira-ISCTE
Bifa Nancanhá- ISCTE
Telma Fundões-ISCSP
Lara Menezes – FCSH
Pedro Oliveira – FLUL
Catarina Martins – UAlg
Carolina Teixeira – ISMAI
Dânnya Martins – UE
Weza Silva – Ue
Luena Cunha – UE
Marina Caboclo – Advogada e Mestranda FDUL
Érica Vieira – Ex Vice-Presidente do NEEA FLUL
Leonardo Botelho – Advogado Estagiário
Arimilde Sofia Soares – AlumniFLUL
Gabrieli Fernandes Fickelsherer Gaio – ULisboa
Carlos Viegas – AlumniISEL
Dadanine Jánuario Gomes – Estudante
Stefanie Cerqueira Salomão- ISCSP
Paulo Marchã – FLUL – Finalista Licenciatura Estudos Africanos – Secretário de Direção da Associação Caboverdeana de Lisboa – Activista e Gestor Cultural – Tchon di Mundus
Elisângela Pereira – FLUL
Catarina Santos – FCSH
Mafalda Santos – FLUL
Mariana Caeiro – UBI
Jonathas Luciano Suela do Nascimento
Ianira Vieira
Joana Pinto
Rodrigo Candeias
Carolina Ribeiro – FCSH
Rafaela Vilaça- UP
Clinton Gomes – UE
Matilde Pinto – FCSH
Francisca Baptista – FLUL
Anna Carolina Almeida da Cruz
Ana Luisa Sousa – FLUL
Catarina Pinheiro – FLUL
Marco Alexandre Ribeiro – FLUL
Marcelo Andrade – FLUL
Letícia Amado – FDUL
ngela Afonso- FLUL
Ana Guedes – FDUL
Guilherme Sá – FLUL
John Quitaxi – Docente Universitário
Joana Guerreiro Mestre – ISCSP
Beatriz Pereira – FCSH
Raquel Figueiredo – FDUCP
Tomás Mourinha
Frederico Dias de Jesus – Jurista | Mestrando FCSH
Miguel Partidário – Professor Assistente Convidado, Instituto Politécnico de Setúbal
Letizia Pietrini – FLUL
Gonçalo Cerqueira Simões
Francisca Araújo – ESSEM
Leonor Góis – ESEL
Tomás Carmelino- UE
David Almeida
Sónia Braz – Alumni ISCSP
Beatriz Romeira – FLUL
Maria Santos – ISCSP
Tomás Antunes – FDUL
Dejanira Vidal – FDUL
Carolina Caldeira – FLUL/ ISCTE
Carla Oliveira – CML
José Caldeira – CML
Murilo Matias- FLUL
Claudia Greco – Psicanalista
Kiana Bila- Fct
Elisabete Lopes – FDUL
Rúben Rafael de Pina Traquino – FDUL
Rodrigo Dias – FLUL
Rúben Marques da Silva – Alumni da FLUL; Estudante do Iscte; Membro do Conselho Pedagógico do Iscte e da Comissão Pedagógica da Escola de Sociologia e Políticas Públicas; Antigo Presidente do Núcleo de Estudantes de História Moderna e Contemporânea do Iscte
Margarida Silva – Gestora de Comunicação
Augusto Neves Júnior – Empresário de Turismo
Maria M. A. Sousa Monteiro – Reformada
Ardjana Seidi- FDUL
José Rui Rosário – Funcionário Público, músico e poeta
Rayana Lopes Borges – FDUL
Sofia Embaló – FLUL
Gervagio Gomes- IGOT
Mamadou Ba, Investigador e Dirigente do SOS Racismo
Abel Tenera – Desenvolvedor de Software e Jogos; Estudante ISCTE; Voluntário da Associação dos Cavaleiros de São Brás; Activista colaborador do Partido Comunista Português
Dário Costa – Professor de Inglês, músico
Silvia Milonga – Jornalista
Danilo Cardoso – Arte-Educador, poeta e Investigador
Grupo EducAr | Educação Antirracista
(As assinaturas continuam em aberto)