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negritude

Pré-publicação | Eu, Tituba, Bruxa… Negra de Salem

Começou por me dar um banho no qual flutuavam raízes fétidas, deixando a água escorrer ao longo dos meus membros. Em seguida, fez-me beber uma poção da sua lavra e atou-me à volta do pescoço um colar feito de pedrinhas vermelhas.

— Hás-de sofrer durante a tua vida. Muito. Muito.

Estas palavras, que me mergulharam no terror, pronunciou-as com calma, quase a sorrir.

— Mas vais sobreviver.

Isso não me consolava! Ainda assim, emanava uma tal autoridade da pessoa curvada e enrugada de Man Yaya, que eu não ousava protestar. Man Yaya ensinou-me as plantas.

Aquelas que dão o sono. Aquelas que curam as chagas e as úlceras.

Aquelas que fazem confessar os ladrões.

Aquelas que acalmam os epilépticos e os mergulham num bendito repouso. Aquelas que metem nos lábios dos furiosos, dos desesperados e dos suicidas palavras de esperança.

Man Yaya ensinou-me a escutar o vento quando ele se levanta e mede as suas forças por cima das cubatas que se prepara para esmigalhar.

Man Yaya ensinou-me o mar. As montanhas e os montes. Ensinou-me que todas as coisas vivem, têm uma alma, um sopro. Que todas as coisas devem ser respeitadas. Que o homem não é um soberano percorrendo o seu reino a cavalo.

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Espanha Negra | Viagem à negritude no espaço-tempo

“Black Spain” -EN- é uma investigação colectiva e situada, proposta pelo LAB da Rádio África, num momento de despertar da negritude espanhola em que prevalece a necessidade de incorporar novas histórias e discursos na esfera pública. O título “España Negra” (Espanha Negra) é uma provocação que toma como referência o livro “España Pagana” (Pagain Spain) que o escritor afro-americano Richard Wright publicou após as suas visitas a Espanha nos anos 50. Um texto controverso pelo qual é acusado de desenhar uma Espanha cheia de estereótipos, e que o New York Times chamou de “provocador e perturbador”. Partindo da ideia dos estereótipos e da ignorância como elemento para configurar imaginários sociais, EN pretende traçar o rizoma da negritude em Espanha, questionando e fracturando o imaginário do sujeito negro que foi criado durante séculos. Um imaginário perturbador e provocador que causou uma verdadeira consternação em muitas vidas, e que permaneceu inquestionável, ou que foi escondido ou apagado.

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Eu, Tituba, Bruxa… Negra de Salem

A constante desumanização das pessoas escravizadas é aqui desconstruída à medida que pela voz de Tituba (Eu, Tituba, Bruxa ….Negra de Salém) a história do mundo e das zonas de contacto (Mary Louise Pratt) no século XVII se tornam percetíveis.
Há neste livro de Maryse Condé a instalação de um processo de rutura que subverte a tradição literária dominante e instaura uma nova identidade e uma capacidade de negociação entre margens e centros. Tituba, mulher de múltiplas iniciações, acrescenta à história a voz dos que não costumam falar, dos que não constam da história a não ser como estatísticas. Tributária do sistema de pensamento e cura Obeah (Obi) usa os seus poderes para curar, proteger e amar. Confessa-se Bruxa e servidora porque não há outra maneira de ser entendida pelos juízes que a julgam. Sabe que o espaço do meio que conhece não pode ser percebido pela cultura dominante e pela histeria coletiva que dominou a terra onde vivia.

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“A amnésia histórica é um dos mais sérios problemas de São Tomé e Princípe” – conversa com Conceição Lima.

São Tomé e Príncipe, diz Conceição Lima, vive numa tensão entre a impaciência e a paciência. Por um lado, há uma forte insatisfação com o estado de coisas: “temos uma curta esperança de vida e queremos assistir a mudança!” Por outro, quarenta e sete anos é “um lapso de história muito curto, quase insignificante no grande plano.” A solução passa por um equilíbrio entre os dois: “é preciso cultivar a paciência para remendar e semear, mas nunca permitindo que se esvaia a tão importante impaciência.” Parece que estamos perante uma identidade formada a partir e contra um trauma histórico, que teima em resistir, contra todas as probabilidades. A poetisa responde com um poema: Um pássaro ferido./ Um pássaro ainda ferido / e teimoso.

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Anunciação — a mostra do duo de artistas brasileiros “Silêncio Coletivo”

Talvez o conteúdo, essa lembrança que se quer resgatar, esteja espelhada no espaço físico da galeria, no intenso vermelho como o sangue marcado, infligido, por qualquer uma daquelas figuras vangloriadas nos seus respetivos monumentos. No entanto, pretende-se resgatar uma lembrança que não temos, uma memória que não fora ainda construída – tal como a dupla, remetida a um Silêncio Coletivo. É este o anúncio que se pretende comunicar – a descolonização iminente, urgente, denunciando-se a criminosa normalização das suas pontas soltas. Mateus Nunes, no texto de acompanhamento da exposição, expõe-nos a operação desse drama, aqui, pelos artistas, de forma pertinente: “Uma das formas mais eficazes e provocativas de declarar a obsolescência de ideias e imagens não é descartá-las, mas virá-las do avesso”.

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Badio Branku de Djam Neguin

Djam Neguin, artista caboverdiano multifacetado provocativo e irreverente, brinda-nos e surpreende com nova composição. “Badio Branku” como título, manifesta uma capacidade sintética de todo um conteúdo e narrativas contemporâneas daquilo que enfrentamos nas nossas sociedades, sedentas de africanidade como processo emancipatório.

Djam canta a um “espelho invertido”, uma máscara de quem não se quer ver. E sobretudo acusar-se. O existencialismo fala-nos do fardo que é a nossa própria liberdade, na simetria de uma responsabilidade que nem sempre é assumida na mesma medida. Amílcar Cabral falou disso, quando projetou e defendeu a criação do “homem novo”, que pensasse pela sua “própria cabeça”. Um ser livre. Um homem que se pode dar ao luxo de se ver e de ser visto, humanamente, sem “lágrimas de cor”.

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6ª Edição do “Chá de Beleza Afro” | Entrevista a Neusa Sousa

Sabemos que vivemos numa sociedade estruturalmente racista, com escassa representatividade da mulher negra nos vários setores importantes e relevantes da sociedade. Cada vez mais é notória a invisibilidade que a mulher negra sofre na sociedade. A mulher negra é o pilar da sociedade, pois é ela que limpa as cidades, no entanto, são marginalizadas ao nível da empregabilidade, de tratamento em setores públicos, de valorização e ascenção profissional, entre outros.

Então, tornar o “Chá de Beleza Afro” um dos maiores eventos de afroempreendedorismo e networking feminino de Portugal, vai não só mostrar às mulheres negras e racializadas, que elas têm um lugar de referência onde podem discutir as suas problemáticas, mas acima de tudo, um ambiente seguro onde podem promover os seus negócios, promover-se a si. Pretendemos que seja uma espécie de Websummit de mulheres negras.

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Entrevista com Miguel Sermão. “A pergunta que faço é: O que é uma cara africana?”

Acho que existe um preconceito, não só na sociedade, mas no meio artístico também. Não podemos ter em conta que um personagem tenha a cor de quem a representa, a não ser para certos personagens históricos, que impliquem zelar pelo que escreveu o autor. Qualquer personagem é feito por qualquer outra pessoa, só que, infelizmente, quem dirige ou coordena as companhias, ao pensar num espectáculo não pensam nos actores negros, sejam africanos ou afrodescendentes.
Não existe esse pensar de que há no meio artístico português actores negros. Quando se pensa tendencialmente, os pápeis são característicos digamos.

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Quando a dor se transforma em cor | Exposição “Sinergia de Emoções”

Numa altura em que quase que nos obrigam, como mulheres negras, a manifestar e a reclamar a nossa “Identidade”, como se tudo o que escrevemos, falamos, desenhamos, pintamos e fazemos tem de ser africano esbarro-me com a explosão de cores da expressão de Nalia Agostinho onde me revejo, apenas, como mulher. Também revejo um universo feminino de décadas com várias outras parceiras de caminhada nas lágrimas, gargalhadas, partilhas, conversas, dúvidas e certezas.
Ou apenas tentarmos abraçar um imbondeiro e simplesmente sentir-me nua e livre como as obras “Colibri” e “Corpos Insubmissos”.

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Independência do Haiti: Culminar de um processo revolucionário de emancipação dos escravos

A publicação, a 26 de agosto de 1789, da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que estipulava que todos os homens eram livres e iguais, é um marco incontornável. O documento abriu novas expectativas, rapidamente defraudadas no que respeita aos mulatos e aos negros de São Domingos. Prova disso foram a tortura e a execução de Vincent Ogé, em 1791. Ogé deixou Paris, onde trabalhou com Julien Raimond6, e liderou uma revolta em São Domingos, próximo de Le Cap. Para o efeito, contou com o apoio dos Amis des Noirs, e foi instigado e apoiado por Thomas Clarkson, tendo, inclusive, recebido armamento em Inglaterra. Ogé, mulato livre nascido na ilha de São Domingos, liberal, apelou a interesses comuns de brancos e mulatos, ambos proprietários de escravos. Esta postura não o salvou de ser barbaramente torturado e executado. Antes de morrer, Ogé pediu clemência. A sua morte inflamou o debate sobre a questão colonial em França.

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