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“Aprender a viver com o inimigo” de Pedro Neves Marques

Exposição temporária, Museu Berardo 19/05/2017 – 17/09/2017

Não se trata bem de um sonho. Talvez de uma ficção científica suscetível de ampliar e trazer para diante dos nossos olhos diferentes tempos, em simultâneo, das formas de colonialismo. Os fluxos interterritoriais e os poderes que os recortam, as transmutações biogenéticas, a extração de recursos e o alastramento dos agrotóxicos, o capitalismo multinacional de um presente circunscrito às leis da produção definem uma gestão da vida e da morte exercida pela violência colonial do capital contra todas as outras narrativas. Trata-se da colonização de um presente como pura ficção científica do colonizador.

Como contraposição a este, o mundo é aqui pensado como um sistema de relações sociais e de contiguidades entre humanos e não-humanos que estilhaça a ideia moderna, e colonial por excelência, de Natureza num multinaturalismo negociado, politicamente, a cada passo. Através de curtos vídeos, filme-ensaios e de ficção, esculturas, instalação ou videoinfografias são convocadas diferentes cosmologias e narrativas antropológicas para confrontar a centralidade homogeneizadora do programa colonial moderno. Em cada situação emergem diferentes formas de equacionar uma irredutibilidade entre os agentes destas relações. Seja o paradoxo de uma evolução sexualizada da botânica moderna às atuais sementes geneticamente modificadas e inférteis, com os seus diferentes modos de representação e indexação da vida orgânica; a emergência e quarentena do mosquito pós-natural que transporta o vírus Zika, entrevisto a copular sob uma nuvem química; ou a relação entre uma mão robótica e uma mimosa pudica, uma planta sul-americana que se tornou uma espécie invasiva de outros continentes; ou a ficção distópica das plataformas de petróleo offshore brasileiras evoluírem para metrópoles petroquímicas, apesar do paradoxo do planeamento do futuro de uma indústria destinada à extinção. Em todos estes casos a emergência da irredutibilidade da diferença gerada provoca uma desidentificação com o processo colonizador, e também com ideia de um mundo comum.

A sequência das cesuras que estes trabalhos propõem entre diversos mundos culmina com a relevância protagonizada por novos agentes biotécnicos ou computacionais. Relativamente a estes também não nos situamos mais próximos, porquanto não determinamos o lugar de enunciação sobre o que significa aprender a viver com o inimigo? Permanecemos incapazes de escutar e compreender o diálogo entre uma androide ameríndia e o milho transgénico – a quem pertence a humanidade, afinal de contas? Para a coexistência destas diferentes cosmologias – modernas, animistas ou tecnofílicas – não existe sonho ou ficção capaz de as apreender num todo, apenas a perceção de que o mundo lhes dá lugar incessantemente e que a posição de inimigo, mais do que a natureza ou a cultura, marca as suas fronteiras.

*curador da exposição

“Pode a ficção científica ser uma ferramenta para olhar o colonialismo? E pensar o colonialismo em si mesmo enquanto ficção científica? Não é essa ficção, no fim de contas, também movida pela ambiguidade daquilo que é natural e daquilo que é humano?Esta exposição reúne um conjunto de novos filmes e peças de Pedro Neves Marques, uma paisagem enraizada no contexto da extração de recursos naturais no Brasil e na coexistência entre diferentes cosmologias, diferentes mundos: modernos, animistas, tecnofílicos.” Exposição no âmbito da ARCO Lisboa 2017, patente até ao dia 17 de setembro de 2017.

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